No carnaval de 2025, A Escola de Samba Paraíso do Tuiuti, do bairro de São Cristóvão, Rio de Janeiro, trouxe à tona uma poderosa pergunta: “Quem tem medo de Xica Manicongo?”. Mais do que uma provocação, essa pergunta é um ato de resistência e resgate de uma figura histórica.
Xica Manicongo é considerada a primeira travesti não indígena de que se tem registro no Brasil e sua história é um símbolo de resistência para a comunidade LGBTTQIA+. Sua história foi descoberta pelo antropólogo Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia. Na terra natal de Xica, performar e vestir-se de outro gênero fazia parte da cultura local. Porém, Xica foi escravizada, trazida à força para Salvador e vendida a um sapateiro.
Na cidade, Xica circulava entre a região baixa e alta de Salvador, trabalhando e se relacionando com homens. Matias Moreira, um cristão vindo de Lisboa, incomodou-se com sua forma de se vestir. Xica usava um pano na cabeça, símbolo de sua cultura, e roupas consideradas femininas pelos padrões cristãos. Matias a assediava, exigindo que ela adotasse roupas masculinas, mas Xica resistiu, recusando-se a seguir as imposições coloniais. Com a chegada da Inquisição ao Brasil, Xica foi denunciada por sodomia e feitiçaria. Temendo ser queimada viva, ela foi forçada a adotar roupas masculinas e o nome Francisco.
A Paraíso do Tuiuti celebrou a existência e a história de Xica no samba enredo, nas alegorias e na diversidade de pessoas que desfilaram na Marquês de Sapucaí representando a Escola, muitas delas, pessoas trans e travestis. Ouvir as pessoas na Sapucaí ecoando trechos do samba como “Faz tempo que eu digo não. Ao velho discurso cristão, sou Manicongo. Há duas cabeças em um coração. São tantas e uma só, eu sou a transição”, é um marco histórico para nossa comunidade.
Segundo Natália Antonucci, Coordenadora Social da LGBT+Movimento, o dia do desfile “foi um dia histórico de celebração e um marco de um primeiro enredo trazendo a travestilidade como centro, dessa figura que é a Xica Manicongo, isso é bastante inédito.
Fran, Coordenador da Área de Comunidades da LGBT+Movimento, destaca a presença de pessoas trans e travestis migrantes, pessoas atendidas e pessoas que fazem parte da nossa equipe e pessoas migrantes LGBTTQIA+ de fora da Organização que também participaram do desfile. Segundo ele: “foi muito interessante o fato de pessoas trans e travestis poderem entrar no desfile sem ter que pagar […] achei que foi uma linda oportunidade para as pessoas migrantes também se integrarem um pouquinho na cultura e nas tradições do Rio [..] Também estiveram presentes muitas pessoas trans e travestis que são referência. Enfim, foi uma experiência maravilhosa, foi muito importante para as pessoas trans e travestis que participaram. E uma experiência linda de ancestralidade, de conectar com a nossa ancestralidade”.
Xica Manicongo nos lembra que a luta por existir e resistir não é de hoje. Sua homenagem pela escola Paraíso do Tuiuti nos lembra o quanto é importante seguir visibilizando as pautas e celebrando a vida de pessoas trans e travestis a partir de suas vozes e da presença de seus corpos em todos os espaços.